05 GABRIELA
Este é o Pompom. Foi o primeiro boneco em que toquei. A minha mãe comprou-o quando estava grávida. Dou sempre um nome aos meus bonecos. Chama-se Pompom Kiconico Maria Correia Fernandes. Tem dois nomes próprios e o resto é de família. Às vezes não faço a cama e deixo lá os meus bonequinhos agarradinhos uns aos outros. Antes de ir para a escola dou beijinhos a cada um. Nas noites em que tenho medo pego em todos e digo para me protegerem. O meu maior medo é morrer. Acho a vida solitária, a branco e preto, e não sei se há retorno. Não sei se se revive ou se não, mas sei que se as pessoas se esquecem, a sua alma morre. Por isso lembro-me sempre do meu cão. Acredito em Deus e não percebo porque é que as pessoas dizem que a ciência é o contrário de Deus.
O Pompom tem cicatrizes, um corpo que se adapta como uma manta e uma orelha maior que a outra para explicar que não faz mal sermos diferentes. No meu grupo de amigas todas somos muito diferentes. Eu sou a única que gosta de verde-água, não sei porquê. Quando as pessoas gozam com outras eu digo para pararem, toda a gente é diferente. A Elisa tem óculos, outros têm cores de pele diferentes, umas são mandonas, outras doces, outra das minhas amigas nasceu de cesariana e ainda por cima tem asma. Eu amo uma das minhas amigas e ela odeia-me. Habitualmente quando alguém te odeia, tu odeias de volta. Eu não faço isso. Por mais que eu tenha vontade de odiar não consigo. Pensava que ser diferente era mau, mas a partir dos sete anos comecei a pensar que ser diferente é bom. O Pompom sabe quem é diferente.
Dá para ver a diferença entre uma pessoa que está apaixonada e outra que não está. Na minha escola é só veres quem está a perseguir quem. O que está apaixonado normalmente persegue, mas às vezes são os dois que estão apaixonados: o que persegue e o que é perseguido. Também há pessoas tímidas. O Pompom sabe distinguir as pessoas que são sensíveis e tímidas. Ele tem um olho que vê quem é inteligente. O outro olho sabe quem está triste, e quem tem problemas de saúde.
Gostava de enterrá-lo num sítio calmo, onde andasse de bicicleta. Para mim o rio parece o mar, confundo os dois. Quando enterrar o Pompom ao pé do rio nunca mais os vou confundir. Já tenho o lugar na minha cabeça. Tenho muito respeito pelo meu boneco e também vou ter esse respeito pelo lugar onde for enterrado. Depois, vai ser como se eu olhasse pelos olhos dele.
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This is Pompom. He was the first stuffed animal I ever touched. My mother bought him when she was pregnant. I always give my toys a name. His full name is Pompom Kiconico Maria Correia Fernandes. He has two first names, and the rest is the surname. Sometimes, I don’t make bed and leave my little toys snuggled up together. Before going to school, I give each one a little kiss. On nights when I’m scared, I gather them all and ask them to protect me. My biggest fear is dying. I think life feels lonely, in black and white, and I don’t know if there’s a return. I don’t know if you come back to life or not, but I know that if people are forgotten, their soul dies. That’s why I always remember my dog. I believe in God, and I don’t understand why people say science is the opposite of God.
Pompom has scars, a body that adapts like a blanket, and one ear bigger than the other to remind me that it’s okay to be different. In my friend group, we’re all very different. I’m the only one who likes sea green, and I don’t know why. When people make fun of others, I tell them to stop—everyone is different. Elisa wears glasses; some have different skin colours, some are bossy, others are sweet, and one of my friends was born by C-section and even has asthma. I love one of my friends, and she hates me. Usually, when someone hates you, you hate them back. I don’t do that. No matter how much I want to hate back, I can’t. I used to think being different was wrong, but when I turned seven, I thought being different was good. Pompom knows who is different.
You can see the difference between someone in love and someone who isn’t. At my school, you just have to see who’s chasing who. The one in love usually does the chasing, but sometimes both are in love: the chaser and the one being chased. There are also shy people. Pompom can tell who’s sensitive and shy. He has one eye that can see who’s smart. The other eye can see who’s sad and who has health problems.
I want to bury him somewhere peaceful, where I could ride my bike. The river seems like the sea—I confuse the two. When I bury Pompom by the river, I’ll never confuse them again. I already have the spot in my mind. I have a lot of respect for my toy, and I’ll have that same respect for where he’ll be buried. Afterwards, it’ll be like I’m looking through his eyes.