08 FERNANDO

08 FERNANDO

Os meus avós é que me criaram. Trabalhavam nos caminhos de ferro. Vivíamos numa casa que agora são escombros, na passagem de nível. O meu pai montou uma barbearia em Portimão, a barbearia do Laranjinha, que era a alcunha dele, na rua da Hortinha nº 4. Quando fiz 11 anos ele queria que eu fosse o seguidor do negócio. Mandou fazer um caixote para eu chegar aos clientes e ensaboar a barba. Depois disse: “Agora tens de aprender a fazer barbas. Primeiro começas a fazer na minha cara”.

Eu não queria ser barbeiro. Arranjei esta pata de coelho para dar sorte: “Pode ser que isto mude!”. Os meus avós conseguiram que eu fosse para Lisboa, passados dois anos. O meu pai estava sempre a atrasar-se a mandar o dinheiro para a renda, aquilo incomodava-me e disse ao dono da casa: “Arranje-me um emprego que eu vou estudar à noite.” Aos 15 anos fui para a secção de modas e bordados no jornal O Século.

Passados três meses fui para os serviços administrativos, na secção de assinaturas. Aluguei um quarto, aprendi a cozinhar, comecei a dançar ballet espanhol. A professora tinha o método russo. Ao fim de uns meses queria ir embora, mas não consegui porque ela interessou-se tanto por mim que fiquei até aos 28 anos. Depois uma colega quis levar-me para o folclore, a trabalhar nas casas típicas.

No 25 de Abril era prospector de vendas n’ O Século e dançava à noite no Maxime. Depois tirei o curso para trabalhar como croupier em casinos: era importante a coreografia das mãos e o cálculo mental. Chamaram-me para o casino em Alvor. Quando voltei, o meu pai ainda tinha a barbearia e queria cortar-me o cabelo. Eu ia lá.

Ensino folclore na Universidade Sénior. Danço as províncias todas: O Corridinho do Algarve, o Vira do Minho, a Margarida Moleira da Beira Alta, o Regadinho, o Malhão, os Pauliteiros de Miranda e o Fandango do Ribatejo. O que aprendi lá fora trouxe para Portimão. Através do YouTube é fácil aprender coreografias. Adaptei-as às pessoas mais velhas. Vou procurar os meus sapatos da dança para os enterrar no jardim do TEMPO. Ia lá quando era pequenino, havia um desfile de Carnaval. Tinha tanta satisfação a ver aquilo…

Quando voltei para Portimão senti que se fechava um ciclo. Vivo melhor aqui do que em Lisboa. Somos diferentes em cada sítio onde estamos. Tenho vivido uma vida engraçada. Não sei como vai acabar. Uma vida bem vivida tem de ser atribulada. Agora, corta-me o cabelo um indivíduo que aprendeu com o meu pai.

:::

It was my grandparents who raised me. They worked for the railways. We lived in a house now just rubble, by the level crossing. My father set up a barbershop in Portimão called “Barbearia do Laranjinha,” his nickname, at 4 Hortinha Street. When I turned 11, he wanted me to take over the business. He made a box so I could reach the clients and lather their beards. Then he said, “Now you have to learn to shave. Start with me.” But I didn’t want to be a barber. I got myself a rabbit’s foot for luck: “Maybe this will change things!”

My grandparents managed to send me to Lisbon two years later. My father was always late in sending money for rent, which bothered me, so I told the landlord, “Find me a job, and I’ll study at night.” At 15, I joined the fashion and embroidery section at “O Século” newspaper. After three months, I moved to the administrative services department of the subscriptions department. I rented a room, learned to cook, and started Spanish ballet dancing. My teacher used the Russian method. After a few months, I wanted to leave, but I couldn’t because she was so interested in my progress that I stayed until I was 28. Later, a colleague tried to take me into folk dancing, performing in traditional houses.

On April 25 (during the revolution), I was a sales prospector at “O Século” and danced at night at Maxime. Later, I took a course to work as a croupier in casinos, where hand choreography and mental math were essential. They called me to work at the Alvor casino. When I came back, my father still had the barber shop and wanted to cut my hair. I used to go there.

Now, I teach folk dancing at the Senior University. I dance from all the regions: “Corridinho” from Algarve, “Vira” from Minho, “Margarida Moleira” from Beira Alta, “Regadinho”, “Malhão”, “Pauliteiros de Miranda”, and “Fandango” from Ribatejo. What I learned abroad, I brought back to Portimão. With YouTube, it’s easy to learn new choreographies. I adapted them for older people.

I’m planning to bury my dancing shoes in the TEMPO garden. I used to go there when I was little; there was a carnival parade. I was so happy to see it…

When I came back to Portimão, I felt a cycle closing. I live better here than in Lisbon. We’re different in each place we are. I’ve had an exciting life. I don’t know how it will end. A well-lived life has to be eventful. Now, someone who learned from my father cuts my hair.