11 FERNANDA
Fiz voluntariado durante 20 anos no Hospital de Portimão e foi uma das coisas que mais gostei, mas quando chegava a casa punha música e dançava, para não pensar. “Temos que aceitar as coisas difíceis, para podermos aceitar as ainda mais difíceis”. Foi uma frase de um doente com quem eu jogava às cartas. Ele sabia que tinha pouco tempo de vida.
Dancei em casa desde pequena. O meu pai tocava acordeão. Eu ia buscar bocados de cortinados e punha-me a dançar com os panos. Um dia o meu pai disse: “Pareces a Isadora Duncan”. Eu não conhecia e ele contou-me a história. Só quando estive na Alemanha é que vi o filme.
Fui para a Alemanha com 17 anos. Já namorava o meu marido, mas fui sozinha. Levei a morada dele numa caixa de fósforos, que me deu na paragem da camioneta. “Pelo menos escreve-me quando chegares à Alemanha”, eu respondi: “Nunca! Vou arranjar um alemão!”. Deu-me a morada, mas não liguei. Quando estava na Alemanha é que senti a falta dele.
Os pais decidiam a vida dos filhos. Os meus mandaram-me para a Alemanha, como eu era rebelde. Fui com o sonho de estudar numa escola de dança. Não me deixaram. Custa-me dizer isto. Tinha algumas disciplinas num colégio e trabalhava numa fábrica, soldava pilhas. Havia mulheres a trabalhar em linha, cada uma a soldar, cortar, dobrar, carimbar. Passados três meses o meu marido, namorado na altura, mandou a primeira carta de amor que recebi. Voltei com algum dinheiro e casei-me.
Procurei aulas de dança em Portimão. Queria aprender, mas vi que não era aquela coisa livre. Ainda aprendi dança contemporânea, já com filhos. Para a minha mãe aquilo ficava mal. O meu marido também não gostava. Mas os cães ladram e a caravana passa, era o que dizia o meu pai. Então dançava em casa. Quando a minha filha tinha 16 anos e não podia entrar nas discotecas, eu ia com ela e aproveitava para dançar que nem uma louca. Trabalhei, cuidei dos filhos, fiz voluntariado. Na Universidade Sénior voltei a dançar.
Antes da pandemia um artista, Luís Stoffel, veio aqui fazer um trabalho. Ele disse: “Fernanda, vê o filme da Isadora Duncan, quero que dances como ela”. Eu respondi: “Não sei, vou tentar” e comecei a chorar porque me lembrei do meu pai. Não sei dançar, mas dancei.
Sou conhecida por Maria Trapeira, sempre com panos. Gosto de ser eu própria a dançar, a alegria sai do meu corpo. Os meus filhos dizem que sou muito escandalosa! Sempre fui muito livre. Tomava cafés em bares para homens, andava de bicicleta, vestia-me como uma hippie e dançava descalça. Vou enterrar um lenço com que danço, no lugar do jardim onde levava os meus netos quando eram bebés.
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I volunteered for 20 years at the Portimão Hospital, and it was one of the things I liked the most. But when I got home, I used to play music and dance, so I wouldn’t think. “We have to accept the hard things so we can accept the even harder things.” That was something a patient told me once when we played cards. He knew he didn’t have much time left.
I’ve danced at home since I was young. My father played the accordion, and I’d grab pieces of curtains and dance with the fabric. One day, he said, “You look like Isadora Duncan.” I didn’t know who she was, so he told me her story. I saw her film when I was in Germany. I went there alone at 17, even though I was dating my husband by then. He gave me his address on a matchbox at the bus stop and said, “At least write to me when you get to Germany.” I replied, “Never! I’m going to find a German guy!” He gave me his address anyway, but I didn’t use it. It was only in Germany that I realised I missed him.
Parents decided their kids’ lives back then, and mine sent me to Germany because I was rebellious. I went with dreams of studying at a dance school, but they didn’t let me. It’s hard to say this. I took some courses at a school and worked in a factory, welding batteries. The women on the line each had a role: welding, cutting, folding, stamping. After three months, my boyfriend—now my husband—sent me my first love letter. I came back with some money, and we got married.
In Portimão, I looked for dance classes because I wanted to learn, but I saw it wasn’t the same free expression I sought. I did learn a bit of contemporary dance, even with kids already. My mother didn’t approve, and my husband wasn’t a fan either. But my father used to say, “The dogs bark, but the caravan moves on.” So, I danced at home. When my daughter was 16 and couldn’t go to nightclubs, I went with her and danced like crazy. I worked, raised my kids, and volunteered. Then, at the Senior University, I started dancing again.
Before the pandemic, an artist named Luís Stoffel came here to work on a project. He told me, “Fernanda, watch the Isadora Duncan movie—I want you to dance like her.” I replied, “I don’t know if I can, but I’ll try,” and then I started crying, remembering my father. I don’t know how to dance, but I danced.
People call me “Maria Trapeira”; I always dance with bits of fabric. I love dancing freely, happiness flows from my body. My kids say I’m outrageous! I’ve always been very free. I drank coffee in bars meant for men, rode my bike, dressed like a hippie, and danced barefoot. I will bury a scarf I dance within the garden where I used to take my grandkids when they were babies.