16 ANA PATRÍCIA
Estes dois copos, um de Macieira e outro de aguardente ou medronho, transportam-me até à “tasca” ou taberna que, durante anos, os meus avós paternos exploraram em Portimão.
Esta taberna, palavra que pela sua etimologia significa “abrigo”, foi um dos espaços onde cresci e onde sempre me conduzem as minhas memórias de infância, porque realmente me deu muitas vezes guarida, da mesma forma que constituiu um refúgio e sentido de coletivo a quem, durante anos, fez parte da sua clientela regular.
Os meus avós, António José Ramos e Maria de Lourdes, abriram portas da Casa Ramos, na rua D. Carlos I, no início dos anos de 1970. A rua da “tasca” correspondia a uma zona de casario baixo, com edifícios mais imponentes, onde havia também uma cooperativa de leite, uma outra taberna, a casa e fábrica de cortiça do industrial Luís Bordas y Marimon, ou a fábrica de conservas “Liberdade”.
A “tasca” repartia-se em diferentes espaços. Ao passar a porta, um primeiro balcão com uma pequena montra para exposição de produtos como o medronho ou garrafas de vinho Gramujeira. Em cima do balcão, os ovos cozidos com casca, em sal grosso. Aqui era onde os homens, pescadores, operários, mecânicos, o carteiro, o endireita ossos, o taxista, entre outros, paravam, desde manhã cedo, apressados pelo trabalho ou para relaxar no final do dia, para uma aguardente, um copo de vinho, uma macieira e dois dedos de conversa.
Ultrapassando este espaço, umas portas tipo “saloon” davam lugar a um outro compartimento onde se serviam os almoços e jantares. Inicialmente, compunha-se de pequenas salas onde as mulheres e os homens das fábricas de conservas vinham almoçar. Traziam a sua refeição e compravam apenas a bebida. Com o passar do tempo, as divisórias desapareceram e este transformou-se num espaço único, com balcão corrido onde se serviam as bifanas da minha avó, e mesas para os almoços e jantares. O arroz à valenciana, a dobrada com feijão branco, o cozido, o grão com mão de vaca, os pipis, as lulas cheias, a feijoada, as sardinhas assadas, a moreia que era colocada a secar no quintal e depois frita, entre muitas outras iguarias.
A tasca simbolizava um pequeno bairro cuja vizinhança se foi alterando. As fábricas fecharam, os pescadores tornaram-se menos, surgiu o pessoal das oficinas, do comércio e serviços. Já no início dos anos 90 era procurada por muitos turistas portugueses e estrangeiros.
A família encerrou as suas portas no final da primeira década de 2000. Posteriormente foi ainda um bar de música, mas o espaço encontra-se encerrado há já vários anos.
:::
These two glasses, one for “Macieira” and the other for brandy or medronho, transport me back to the “Tasca”, or tavern my paternal grandparents ran in Portimão for many years.
This tavern, a word that etymologically means “shelter,” was one of the spaces where I grew up and where my childhood memories always led me, as it often provided refuge and a sense of community for those who were regular customers.
My grandparents, António José Ramos and Maria de Lourdes, opened the doors of “Casa Ramos” on D. Carlos I Street in the early 1970s. The street where the “Tasca” was located featured low housing with more imposing buildings, a dairy cooperative, another tavern, the cork house and factory of industrialist Luís Bordas y Marimon, and the “Liberdade” canning factory.
The “Tasca” was divided into different areas. Upon entering, there was a first counter with a small showcase displaying products like medronho or bottles of Gramujeira wine. On the counter were boiled eggs sprinkled with coarse salt in their shells. This was where men—fishermen, workers, mechanics, mail carriers, the bone setter, the taxi driver, among others—would stop early in the morning, hurried by work or to relax at the end of the day, for a shot of brandy, a glass of wine, a “Macieira”, and two fingers of conversation.
Beyond this space, saloon-style doors led to another room where lunches and dinners were served. Initially, it consisted of small rooms where the women and men from the canning factories would come to have lunch. They would bring their meals and only buy drinks. Over time, the partitions disappeared, transforming into a single space with a long counter where my grandmother’s “bifanas” were served, and tables for lunches and dinners. Dishes included “arroz à Valenciana”, tripe with white beans, stew, chickpeas with cow’s foot, “pipis”, stuffed squid, “feijoada”, grilled sardines, and moray eels that were dried in the backyard and then fried, among many other delicacies.
The “Tasca” symbolised a small neighbourhood whose community evolved over time. The factories closed, the number of fishermen decreased, and new people emerged from garages, commerce, and services. By the early 1990s, it was sought after by many Portuguese and foreign tourists.
The family closed its doors at the end of the first decade of the 2000s. It later became a music bar, but the space has been closed for several years.