17 ANA
“Olá, muito boa tarde amigos ouvintes, este é um programa Cidade+, um programa de Ana Bernardino, que vai ficar na vossa companhia entre as 15 e as 16h.”
Diziam que eu era a mulher dos sete ofícios. Comecei com 17 anos na Rádio Costa d’Oiro, a rádio católica do Algarve. Fiz a Voz do Estudante, em que entrevistava pessoas na Escola Secundária Poeta António Aleixo. Investigava histórias locais e regionais, divulgava o que acontecia. Fazia esperas à porta da Câmara e dizia: “Dêem-me informação sobre o que vão fazer”. Estive 20 anos na rádio. Vivia e dormia com o meu relógio de pulso. Nesta caixa deposito relógios de pulso que guardei, um microfone e os meus headphones.
Quando estamos no estúdio não sabemos quem nos ouve. Houve uma altura em que dizíamos: “Uma rádio de Portimão para Portugal e para o mundo” porque recebemos uma carta de alguém que nos ouvia na Alemanha.
Também comecei a pintar, com amigos. Fizemos exposições pelo Algarve e sacudimos espaços que estavam a abrir. Depois trabalhei dez anos numa agência de seguros. Vivia os problemas das pessoas. Os meus superiores diziam: “Ana, isto não é a Santa Casa da Misericórdia”. Aprendi muito, vi a maldade e a bondade. Havia muitas formas de ajudar. Nesta caixa deposito um desenho e uma concha de vieira, símbolo de proteção dos peregrinos do Caminho de Santiago, porque um dia fiz-me ao caminho e tive uma experiência única, de encontro com a natureza.
Um dia encontrei dois amigos escultores, o Arlindo e o Paulo, muito tristes. Não havia pedras para o Simpósio Internacional de Escultura. A minha família tinha uma grande pedreira. O meu pai disse que podiam ir lá buscar pedras. Nesta caixa deposito o trabalho do meu pai: uma pedra e um lápis que usava atrás da orelha.
A minha mãe é de uma zona rural. Temos uma propriedade que limpamos. Quando chega a época, a família junta-se para apanhar frutos secos. Nesta caixa deposito o trabalho da minha mãe: uma caixa com amêndoas, alfarrobas e figos.
Os fumeiros eram um ponto de desenvolvimento e sustento em Portimão. Os figos eram tratados e as operárias moldavam e colocavam-nos em seiras para exportação. Aprendi isto porque, com técnicos superiores de Arqueologia e História, restaurámos um fumeiro e antigas operárias explicaram como tudo acontecia. Existe um fumeiro abandonado junto à ponte velha, no início da Rua Infante D. Henrique. Vou enterrar esta caixa nesse edifício lindo, que quero ver restaurado. Gostava que fizessem aí o Museu do Fumeiro. Quero fazer isso na minha cidade.
:::
“Hello, good afternoon, friends listening; this is a program called Cidade+, hosted by Ana Bernardino, who will be with you from 3 pm to 4 pm.”
They used to say I was a woman of many trades. I started at 17 at Rádio Costa d’Oiro, the Catholic radio station of the Algarve. I did the “Voz do Estudante”, where I interviewed people at the Poeta António Aleixo Secondary School. I researched local and regional stories, spreading the word about what was happening. I would wait outside the Town Hall and say, “Give me information about what you will do.” I spent 20 years on the radio. I lived and slept with my wristwatch. In this box, I’m placing wristwatches I’ve kept, a microphone and my headphones.
We don’t know who is listening to us when we are in the studio. We once said, “A radio station from Portimão for Portugal and the world” because we received a letter from someone listening to us in Germany.
I also started painting with friends. We held exhibitions throughout the Algarve and energized spaces that were opening. Then, I worked for ten years at an insurance agency. I lived through people’s problems. My superiors would say, “Ana, this is not the Santa Casa da Misericórdia.” I learned a lot; I witnessed both malice and kindness. There were many ways to help. In this box, I’m depositing a drawing and a scallop shell, a symbol of protection for pilgrims on the Camino de Santiago, because one day, I set out on the pilgrimage and had a unique experience connecting with nature.
One day, I found two sculptor friends, Arlindo and Paulo, who were very sad. There were no stones for the International Sculpture Symposium. My family owned a large quarry. My father said they could go there to collect stones. In this box, I’m placing my father’s work: a stone and a pencil he used to keep behind his ear.
My mother is from a rural area. We have a property that we clean. When the season arrives, the family comes together to harvest nuts. I’m placing my mother’s work in this box: a box with almonds, carob pods, and figs.
The smokehouses were a point of development and sustenance in Portimão. The figs were processed, and the workers shaped and placed them in trays for export. I learned this because, along with higher-level technicians in Archaeology and History, we restored a smokehouse, and former workers explained how everything happened. There is an abandoned smokehouse near the old bridge at the beginning of Infante D. Henrique Street. I will bury this box in that beautiful building, which I want to see restored. I would love for them to create the Smokehouse Museum there. I want to do this in my city.