21 ABDEL
Sou da ilha de Santiago, em Cabo Verde, e vim com seis anos para Portimão, fiz aqui sete. Desde aí que tenho este boneco. Dei-lhe o nome de Clifford. O meu animal favorito é o cão. Foi a minha irmã que me ofereceu. Eu tinha medo do escuro e via monstros, não conseguia dormir e este cão ajudava. Sonhava que tinha monstros debaixo da cama e agarrava o meu cão.
Em Cabo Verde tinha outros peluches. A cidade onde vivia, a Praia, era mais pequena que Portimão. Há regras diferentes na Praia e em Portimão. Em Cabo Verde não há tantos carros como aqui. Eu vivia em frente a um campo de futebol que também era uma estrada. Quando os carros passavam tínhamos de sair de lá e depois podíamos voltar a jogar. Lá não há muitos prédios, só casas. Os meus pais explicaram-me que quando entro neste prédio não posso fazer muito barulho, mas ouvimos Cesária Évora, Soraia Ramos e música popular de Cabo Verde.
Saio muito à rua para brincar. Agora já vou à escola sozinho e fico no parque com os meus amigos. Não me custou fazer amigos aqui, foi muito fácil. Tenho muitos amigos. Pedem para tocar no meu cabelo, perguntam por Cabo Verde. Eu digo que é mágico, quando sais do mar não sentes frio como aqui, é quentinho, mas eu tinha medo dos tubarões.
Nunca ninguém se meteu comigo por causa da cor da minha pele, mas já aconteceu com uns amigos. Uns rapazes da escola gozaram com o nome de um e com o cabelo de outro. Diziam que era um cabelo de ninho, que dava para os pássaros. Ele respondeu: “Pelo menos tenho cabelo!”. Eu perguntei ao meu amigo o que é que se passava e ele disse que os rapazes estavam a gozar com o seu cabelo. Respondi: “Ignora. Para mim és um amigo perfeito e o teu cabelo é fofo”.
Muitos meninos em Portimão ficam no telemóvel, a jogar. Eu fico na rua com a bicicleta. Gosto da rua, estou mais livre. Normalmente acordo, tomo banho, apanho o autocarro, vou para a escola e depois vou para a barbearia dos meus pais. Fica no centro, ao pé da Zona Ribeirinha, e chama-se Cabeleireiro Flávio. Quero enterrar o Clifford na Alameda, perto da barbearia, onde brinco com os meus amigos. Gosto da parte da relva onde jogamos à bola, há lá uma árvore e alguns arbustos. As orelhas do Clifford têm cores diferentes. Acho fofinho. Como o cabelo do meu amigo.
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I am from the island of Santiago in Cape Verde, and I came to Portimão when I was six years old; I’ve been here for seven years. Since then, I’ve had this stuffed animal. I named him Clifford. My favourite animal is a dog. It was my sister who gave it to me. I was afraid of the dark and saw monsters; I couldn’t sleep, and this dog helped me. I dreamed that monsters were under the bed, and I would hold my dog tight.
In Cape Verde, I had other stuffed animals. The city where I lived, Praia, was smaller than Portimão. There are different rules in Praia and Portimão. In Cape Verde, there aren’t as many cars as here. I lived in front of a football field that was also a road. When cars passed, we had to leave, and then we could return to playing. There are few buildings there, only houses. My parents said I shouldn’t make too much noise when entering this building. Still, we listened to Cesária Évora, Soraia Ramos, and popular music from Cape Verde.
I go out a lot to play. I go to school alone and hang out in the park with my friends. I didn’t find it hard to make friends here; it was very easy. I have many friends. They ask to touch my hair and ask about Cape Verde. I tell them it’s magical; when you come out of the sea, you don’t feel cold like here; it’s warm, but I was afraid of sharks.
No one has ever bothered me because of the colour of my skin, but it has happened to some of my friends. Some boys at school ridiculed one friend’s name and another friend’s hair. They said it looked like a bird’s nest and that birds could live in it. He replied, “At least I have hair!” I asked my friend what was happening, and he said the boys were teasing him about his hair. I replied, “Ignore them. You’re a perfect friend, and your hair is cute.”
Many boys in Portimão spend their time on their phones playing games. I prefer to be outside on my bicycle. I like being outdoors; I feel freer. Usually, I wake up, shower, catch the bus, go to school, and then go to my parents’ barbershop. It’s in the centre, near the waterfront, called “Cabeleireiro Flávio”. I want to bury Clifford in the Alameda, near the barbershop where I play with my friends. I like the grassy area where we play football; there’s a tree and some bushes. Clifford’s ears have different colours. I think he’s cute, just like my friend’s hair.