22 MARIA N
“Um Quarto Só Para Si”, de Virgínia Woolf, é um ensaio de 1929 sobre a condição da mulher e a desigualdade de género que, passado um século, continua tão atual. Foi a leitura deste livro, lido numa viagem de comboio, que mudou a minha vida. Deu-me coragem para sair do meio conservador e patriarcal em que vivia, de romper barreiras e buscar uma mudança em que pudesse caminhar orientada pelo meu próprio pensamento.
Neste livro, Virgínia Woolf defende que as mulheres devem ter a coragem de sair do ambiente que as oprime para onde possam ter um pensamento livre. Para isso é fundamental conseguirem ter independência económica e um espaço para criarem e desenvolverem a sua maneira de estar no mundo.
Foi este livro que me trouxe a Portimão, aos 26 anos, para uma cidade que não conhecia, para fazer um estágio de especialidade como professora. Foi uma espécie de fuga. Deixei uma vida confortável e vim com a minha filha, os meus livros e o meu piano.
Aqui, consegui seguir o meu caminho num ideal humanista, numa vida com causas e menos sujeita à pressão exterior. Nesta cidade fui e sou professora. Este livro contribuiu para que a minha vida profissional tivesse um pendor para os alunos que por alguma razão se encontram em situação de desvantagem escolar e/ou social. Atuo no sentido de tentar dissolver impedimentos, pois acredito que a escola deve de ser um lugar inclusivo, de liberdade intelectual, de luta contra os preconceitos e as assimetrias. A luta pela igualdade de direitos e de género tem de ser um trabalho diário. É preciso que cada um encontre o seu caminho mais genuíno. Para isso, também é fundamental cultivar o gosto pela leitura nos jovens. A leitura dá uma grande densidade de pensamento e contribui para a capacidade de reflexão, de desenvolvimento interior, de poder, de defesa, de liberdade.
A par deste livro, tenho livros por todo o lado: durmo com eles, levo-os no carro, divido-os com os alunos.
Vim de longe, fiquei na cidade e em nada me arrependo. Encontrei aqui uma das possibilidades de vida que desejava ter.
Portimão sempre acolheu bem os projetos que fui desenvolvendo.
Sou professora e guardo livros: é essa a minha ordem no mundo. Faço o que sou, com alegria, seguindo o pensamento de Espinosa.
Penso que quem guarda livros deixa algo importante para os outros, em proveito dos outros.
Vou enterrar aqui o meu livro, perto da casa onde morei quando cheguei à cidade e onde tive uma olaria, ainda este local era um casarão antigo e abandonado.
Enterro um tesouro. Os livros contêm fortunas eternas.
:::
Virginia Woolf’s A Room of One’s Own, a 1929 essay about the condition of women and gender inequality, remains relevant a century later. Reading this book on a train journey changed my life. It gave me the courage to break away from the conservative and patriarchal environment in which I lived, to break down barriers, and to seek a change guided by my own thoughts.
In this book, Virginia Woolf argues that women must have the courage to leave their oppressive environment and find a place to think freely. They need economic independence and a space to create and develop their own way of being.
This book brought me to Portimão, a city I didn’t know, at 26 to do a specialized internship as a teacher. It was a kind of escape. I left a comfortable life and came with my daughter, books, and piano.
Here, I could follow my path in a humanist ideal, in a life with causes and less subject to external pressures. In this city, I became and continue to be a teacher. This book contributed to shaping my professional life towards students who, for some reason, find themselves in situations of educational and/or social disadvantage. I work to dissolve barriers because school should be an inclusive place of intellectual freedom, fighting against prejudice and asymmetries. The struggle for equality of rights and gender must be a daily endeavour. Each person must find their most genuine path. To do this, it is also crucial to cultivate a love of reading among young people. Reading provides a depth of thought and contributes to the capacity for reflection, personal development, empowerment, defence, and freedom.
I have books everywhere, including this one. I sleep with them, carry them in the car, and share them with my students.
I came from afar, stayed in the city, and have no regrets. I found here one of the possibilities of life I wanted to have.
Portimão has always welcomed the projects I have developed.
I am a teacher and a bookkeeper: this is my order in the world. I do what I am, with joy, following Spinoza’s thought.
Those who keep books leave something meaningful for others, for the benefit of others.
I will bury my book here, near the house where I lived when I arrived in the city and where I had a pottery studio in a place that was once a large old, abandoned mansion.
I bury a treasure. Books contain eternal fortunes.